Tomando partido pelo terreno

Caminhos por terra, pelas estradas de ferro e por mar

Paul Vidal de la Blache vive em um mundo onde a revolução dos transportes está em marcha acelerada na Europa e na América do Norte, atravessando o Atlântico e o Mediterrâneo, cruzando os territórios coloniais. Sua prática de geógrafo vai integrar essa possibilidade nova que amplia, às sociedades e a seus intelectuais, os horizontes acessíveis.

 

Um livro publicado em 1880, Marco Polo, seu tempo e suas viagens, denota uma atração de Vidal pela figura do viajante e do jovem Marco Polo. Ele escreve: “É na era em que as impressões estão mais frescas, a curiosidade em pleno ardor, a memória em toda sua força, que as rotas da Ásia se abrem diante dele”. Vidal lê os relatos das explorações da África e da Ásia centrais e retém deles, em seus textos, as observações que julga “vivas”... Já as viagens de Vidal não foram expedições à margem do mundo conhecido pelos europeus, mas ele tira proveito de todos os meios de transporte e faz deles novos vetores de experiências propriamente geográficas. Para construir essa ciência dos lugares, ele recorre a linhas e redes ferroviárias que lhe permitem colecionar esses lugares que o atraem e que lhe interessam intelectualmente.

É possível imaginá-lo consultando os anuários das estradas de ferro, planejando seus deslocamentos, chegando à estação de trem. Ele compra seus bilhetes e com frequência anota o preço. Sobe no trem, escolhe um lugar próximo à janela, voltado para a frente do veículo, abre seu caderno, aponta seu lápis e registra a data, a hora e o lugar.

 

 

Caderno [15], registro 40. 1892, Vidal desenha seu périplo pelos Alpes do Sul e pela Provença.
Caderno [22] registro 25. Nas trilhas da montanha córsega.

Vidal decerto fez uso das estradas de ferro em função dos anuários ferroviários, como o Chaix. Sua preocupação com o trabalho de campo, porém, lhe solicitava que, durante o percurso ou no ponto final, ele tomasse os caminhos vicinais, onde o deslocamento o levava para mais perto dos lugares.

 

Na travessia do Atlântico em direção à América do Norte, em 30 de agosto de 1904, o passageiro-geógrafo se refere a um documento técnico, a carta-piloto, e faz seu diagnóstico: coordenadas de posição, estado do mar e do céu. A travessia marítima lhe abre horizontes, de um porto ao outro, cada um com suas animações particulares. Amarras soltas, com o sentimento de ganhar o mar aberto, ele escrutina e desenha a costa que fica para trás, e mais tarde aquela que o acolhe. Entre os continentes, ele observa o mar, o céu, anota a posição, e depois passa o tempo a ler um livro ou construindo a estrutura de um capítulo.

Caderno [24], registro 9.
Caderno [23], registro 49. Abril de 1904, Riviera Lígure, a leste de Gênova, vista de um navio diante de Recco.

Para ele, o gabinete do geógrafo está em toda parte, e o novo geógrafo não se fecha entre os muros. Seu escritório é uma cabine de trem, seu material, um caderno. Ele ainda não está totalmente seduzido pela máquina fotográfica: são seu olho e seu espírito que capturam a fisionomia da terra e a fixam por meio da escrita sobre sua singularidade: geó-grafo.

Caderno [24], registro 16. Agosto de 1904, a partir do rio São Lourenço, ao chegar ao Québec.

Um certo sentido dos lugares

No espírito positivista da época, Vidal define a geografia como a ciência dos lugares. O conhecimento dos lugares passa por saber seus nomes, suas coordenadas, sua situação em relação a outros lugares. Os cadernos não deixam de reter essas informações primordiais, que validam as observações e as reflexões que as acompanham. Entre essas reflexões, às vezes afloram e se expõem sentimentos ou julgamentos, concepções valorativas e de vínculo, até mesmo de prazer.

Caderno [15], registro 125. Esboço da redação da introdução do Tableau de la géographie de la France.

 

Na abertura de sua obra magistral, o Tableau, ele escreve: “Eu procurei fazer renascer uma fisionomia que me pareceu muito variada, amável, acolhedora”. Esse desejo aparece no caderno 15, no qual escreve: “Poucas palavras poderiam substituir todas as emoções sentidas, a felicidade de percorrer em todos os sentidos as regiões da França, tomando notas de sul a norte, de leste a oeste, as variedades, as nuanças infinitas que a compõem. Um todo, ainda assim, um conjunto harmônico, se depreende dessas impressões”.

Por meio de seus cadernos, acessamos o modo como Vidal estabelece e mantém suas relações com os lugares, sobre os lugares. Julien Gracq escreveu que seus mestres em geografia exerciam in loco um “tato de clínico”. Ver, examinar, sentir, escutar... “As grandes regiões mudas se espraiarão ao longe” – Vigny é rebatido por Vidal; o geógrafo, da pequena e da grande região, observa, constata, sente e nos faz lembrar.

Para Vidal, o sentido dos lugares era carregado de história. Sua cultura histórica se equilibra com os conhecimentos naturalistas. Assim, as colinas são também testemunhos do passado: em Vézelay, em Puy, em Langres, o lugar é tanto um marco histórico-cultural quanto um fato geológico. A leste de Orléans, em um meandro do Loire, em Saint-Benoît, ele escreve “Viagem pela região dos capetíngios”. Do vale do Loire a Gisors, no vale do Sena, ele mapeia os locais mais importantes dos domínios capetíngios.

Caderno [7]: registro 41, Gisors.
Caderno [14], registro 87.

Vézelay, vista do conjunto, tomada desde o fundo do vale seco. Georges Chevalier, Arquivos do Planeta, Museu Departamental Albert Kahn.

 

Se o intelectual-geógrafo procura discernir a singularidade dos lugares, das múltiplas regiões da França, e a personalidade da região no todo, os cadernos nos permitem identificar a personalidade do próprio geógrafo. Seus alunos, seus colegas e seu público testemunharam seu aspecto sempre sério, sua reserva, atestando mesmo certa frieza no comportamento. Nos cadernos afloram o prazer e o júbilo que um viajante sente ao percorrer os lugares.

Caderno [14], registro 17. “belo céu de Charentes, flocos intensos muito leves, muito luminosos”.
Caderno [13], registro 45. “grande variedade de efeitos ópticos no inverno – vapores e refrações luminosas”.
Caderno [10], registro 22. “a grandiosidade de Londres [...] pontes gigantescas, estações de trem enormes, movimento colossal”.

 

Caderno [11], registro 57. “Saône – diríamos ser uma pessoa sábia e discreta”.
Caderno [14], registro 5. “Nada mais charmoso que as hortas e pequenos jardins".
Caderno [14], registro 21. “tarde radiosa, que mais ou menos às 16:30 se encobre”.